Friday, 21 March 2008

Andy Williams.

A minha infância foi extremamente musical. Tínhamos trilha sonora para tudo. Parecia um filme. Uma Hollywood em plena Fortaleza. Uma atmosfera fascinante.
Em meio a esses sons estava uma voz, única, impressionante em sua doçura e afinação. Chama-se - pois graças a Deus ainda está vivo - Andy Williams. Esse homem cantou da melhor forma o clássico Moon River, interpretou de maneira particular Your Song de Elton John, embeveceu gerações com sua gravação de Can't Help Falling Love. É sensacional.
Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos, o declarou "Tesouro da América" e ele realmente o é. Quando Bob Kennedy morreu, ele cantou The Star Spangled Banner - o Hino Nacional Americano - na cerimônia dos funerais. Numa terra de cantores do quilate de Sinatra e Bennett, Andy Williams é um símbolo daquele lugar. Hoje aos oitenta e um anos, Howard Andrew "Andy" Williams, continua fazendo apresentações com sua orquestra e morando em Branson, Missouri, onde tem um restaurante e um teatro.
Se você já conhece sabe do que estou falando. Se ainda não ouviu, procure ouvir, porque Andy Williams é um nome singular, que o tempo se encarregará de levar e nunca mais ouviremos similar. Ele faz parte de dias que não voltam mais.

Ser cearense.

“Triste coisa é a terra alheia”.
Juvenal Galeno


Somos um povo que desafia a viola, num repente, mestres do improviso como quem implica com a própria vida. Renitente, resistente, penitente, é assim que somos cearenses. Ouvimos os rangidos, os lamentos, os gritos soltos nas feiras, a cantiga dos que se retiram, mouros do sertão embrasado, do menino atuzigado pelo rame-rame da roldana, no poço quase vazio.

Somos assim, sem fronteiras, desbravadores do desconhecido, desassombrados, assanhados, sem qualquer acanhamento para pelejar noites a fio. Temos um sangue nas veias permeado de sonhos e sal, de mar e velas, jangadas e algodão. Temos as melodias do reizado, dos congos ancestrais, de maracatus dolentes. História contada em cordéis infinitos.

O cearense se reconhece no olhar, numa cumplicidade única em meio a tantos povos. Conhecemos-nos pelo dialeto, pela forma de tratar afável, pela bravura indomável, fé inabalável, muito embora a paisagem esturricada de vez em sempre diga não. Por isso achamos bonito aquele tempo chuvoso, que deixa passarinho nervoso procurando abrigo, pois sabem que quando o céu está negro a tempestade vem à galope que é pra gente festejar no terreiro, correndo na areia molhada, tomando banho de bica que escorre do avarandado.
Temos a delicadeza das dunas, o colorido das areias nas garrafas, os fios rendados nos bilros e labirintos, os mares de um verde sem fim, rompemos paradigmas, contradizemos predições, desconstruímos conceitos, fundamos códigos, fazemos verdade. Jangadeiros que enfrentam ondas e borrascas. Recarregamos em nossas praias a energia ensolarada de redes que balançam, de conversas que embalam, de amigos que se encontram. Vamos e voltamos como quem busca reencontrar a nós mesmos. Nossos caminhos, por mais longos que sejam, terminam nesta terra de abraço carinhoso e inexplicável beleza.

Fugimos dos padrões, as convenções nos assustam, renovamos pensamentos, adubamos movimentos, somos um moto contínuo, uma raça esquisita, de mulheres mais que bonitas, fortes, morenas, decididas.

Somos um povo de homens de brio, de vergonha na cara, de sorriso que escancara, que jamais recua, que não contém o avanço, que não conhece descanso, sempre a lutar por mais um dia.

O Ceará é assim. Um povo que libertou seus escravos antes do Brasil. Que escreveu sua história com ternura e fogo. Um mar de contrastes sem parelha, de paisagens e delírios, de vertentes e correntes, de coragem e sonhos. É lugar de gente boa, povo macho, pujante, feliz. Um celeiro de personagens.

Wednesday, 19 March 2008

19 de Março. Dia de São José.

Hoje é dia do Padroeiro do Ceará, São José, pai de Jesus, O filho de Deus. Se nesse dia chove é prenúncio de bom inverno. Orações ao alto. Choveu ainda há pouco. Faz-se festa no sertão. Vem do céu o que nossos homens e mulheres precisam. Amém.

Voltaire.

"Posso não concordar com nenhuma palavra que diz,
mas defenderei até a morte o direito que tem de dizê-las".

François-Marie Arouet (1694 - 1778), conhecido como Voltaire. Poeta, ensaísta, dramaturgo, filósofo e historiador iluminista francês.

Morrer jovem.

Morrer jovem é muito esquisito. É de uma ironia sem graça. De um espanto em que não cabem argumentos. Morrer jovem é muito estranho. Mesmo porque juventude é coisa relativa, num mundo em que Einstein já não está aqui para explicar.

Morrer jovem é como interromper uma música. É como cortar um filme ao meio, rasgar as páginas de um livro pra não se saber o final. É roubar de cena um ator em seu momento mais fantástico, em seu grande ato, sua cena mais brilhante. Porque morrer jovem é injusto. Injusto com as leis da natureza. Injusto com os que partem. Muito mais injusto com os que ficam. Pois saudade é morte lenta, passo-a-passo, emudecida, olhos cerrados, quase sem respirar.

Quem morre jovem não tem o que dizer. Vai calado, sem dizer palavra, num silêncio intrigante. Não tem quase história pra contar, não tem quase passado, não terá futuro. Quem morre jovem, seja qual for a forma, tem morte súbita. Porque é de repente se morrer jovem. Fica aquela sensação de poder ter feito mais. Poder ter dito mais. Aquela frustração de quem perdeu o jogo de sua vida.

Morrer jovem é contabilizar ao contrário. É descontar, é subtrair somente. É contar os abraços que deixou de abraçar, os beijos que não deu, as obras que não realizou, os sonhos que não viveu, a formatura que não aconteceu, o carro que queria e não veio, a namorada que amava demais da conta e que não deu conta de que você se foi. Morrer jovem é mais triste, porque a velhice é o que se espera e a juventude apenas vai acontecendo e a gente sempre se achando bem, se sentindo forte, audaz, capaz, feliz. Quando se morre jovem, se desdiz tudo o que tinha de haver. É a contramão da história. A volta de uma viagem que nem sequer chegou a existir.

Morrer jovem é não ter tempo. Não conseguir conhecer a beleza, não dar satisfação, não explicar, não dar até logo, ir direto ao adeus. Morrer jovem é mal educado, é nem pedir licença para levantar e sair. Morrer jovem é não aparecer no compromisso, é marcar a reunião e não ir. É fazer todo mundo de bobo. Dar um drible nos amigos, nos parentes, no cachorro. Morrer jovem é faltar a tudo que estava na agenda e se perdeu no ar. Morrer jovem é deixar para trás. É uma ida sem volta. Uma deslealdade. É ir a uma guerra e nunca mais voltar. É esperar por quem não vem. Morrer jovem é uma traição da vida em conluio com a morte. É uma armação para desesperar mães. É um desafio. Um fustigo. Morrer jovem é um deboche abominável.

Difícil retorno.

Quem disse que retornar é fácil? Não é não. A volta é penosa, carece de disciplina, precisa, para que aconteça, que possamos nos preparar para vestir outra vez a roupa que estava esquecida no armário. Bater a poeira, espantar o comodismo e porque não dizer, se desacovardar de escrever o que pensa e da forma que gosta.
E assim é que se processa tudo nessa vida. Um pouco de ousadia. Uma dose de vontade. Uma inquietação que provoca.