Wednesday, 5 December 2007

Um dia difícil.

Hoje foi um dia particularmente difícil. Mais um. Abarrotado de compromissos, vários telefones tocando, gente passando, ruído de carros e caminhões debaixo de minha janela, o alarido das construções de prédios que desafiam a gravidade, o grande tumulto urbano do qual nem sempre conseguimos escapar.

Certo dia ouvi de um homem já calejado e que muito já viu dessa e de outras vidas, que “rico não é quem tem muito, mas quem precisa de pouco”. Esse difícil desprendimento, decerto deve ser a receita para longevidade que desfruta, em algum lugar recôndito desse imenso País. Mas como desprender-se? Esta é a pergunta que não quer calar.

Sacudidos que somos diariamente por uma mídia massacrante que distingue pessoas pelas posses e cria dia após dia gadgets que passam a ser cobiçados pelos incautos passageiros dessa agonia, o mundo transformou pessoas em senhas e desconstruiu todo o universo sensível que permeava as gerações passadas. Findaram-se as praças, as reuniões com os amigos, as conversas em família, os encontros descompromissados, a praia durante a semana, os passeios com os filhos. Hoje blindaram os carros e ficaram blindadas também as almas. Passamos por nossos semelhantes como quem passa por objetos inanimados, sem respiração ou cor. Sem sentir perfume ou enxergar. Sem tato ou paladar. Sem ouvir palavra. Blindamos os nossos sentidos. E assim passamos a não compreender a linguagem dos gestos, os acenos e mensagens cifradas em códigos fraternos.

Que fique claro que não há aqui nenhuma tentativa de fazer apologia a mediocridade, nem a hipocrisia de defender que os desejos e sonhos de consumo não tem participação preponderante nessa porção frágil de nosso espírito humano. Claro que queremos o melhor restaurante, a melhor roupa, o carro mais moderno, a casa mais confortável. Mas poderíamos querer e ter tudo isso, dedicando um pouco que fosse de espaço a quem está ao nosso lado, sem virar o rosto para aquele que pede, aquele que treme, aquele que chora. Bom seria se pudéssemos desfrutar de tudo o que conquistamos, sem estar acuado por uma violência gerada em nossos próprios corações, quando preferimos ignorar o vizinho, produzindo o adversário e a revanche. Era preferível que aproveitar o que a vida oferece, não significasse não ter compaixão, ou abandonar a própria sorte aqueles que têm menos chances.

Nada mais oportuno que pensemos nisso tudo no final do ano, quando temos a possibilidade de nos contagiar com as fitas vermelhas, as vítreas bolas coloridas, as árvores repletas de presentes e os sinos a dobrar pelo Natal. Afinal, só há festa, se pudermos sentir, dentro da gente, a alegria serena de quem cumpriu a sua missão.