Wednesday, 7 November 2007

Meu perdão aos pragmáticos.

Estava pensando agora como deve ser desanimada a vida dos pragmáticos, desses que levam a vida com imensa seriedade, fazendo contas, contando as pontas, como aqueles bancários por trás de bereaus a multiplicar preocupações e pesares. Deve ser muito desanimado. Deve ser muito pouco estimulante só comprar o que se precisa, sem direito sequer a um inofensivo supérfluo.

Eu mesmo sou desses que acumulo inutilidades magníficas. É muito bom ter um isqueiro Zippo, mesmo sem jamais fumar, ou um canivete suíço, mesmo sem imaginar para que servem todas aquelas garrinhas e funções. Engenhoca linda. Já pensou? Só adquirir aquela calça que se precisa e nem olhar para aquele sapato que vai se esperar a ocasião de usar? Porque precisar mesmo, nem precisa.

Não! Que me perdoem os práticos, pragmáticos e objetivos. Mas ter aquilo que está no imaginário daquela criança imorrível dentro de nós é tudo de bom. Comprar aquele carrinho de bombeiro que quando pequenos nunca tivemos, ou aquele aeromodelo que dê asas aos nossos devaneios é sensacional, ou quem sabe, aquele Forte Apache, cheio de bonecos da 7ª Cavalaria a participar de guerras imaginárias, de missões impossíveis, de viagens infindáveis. Não há como não se emocionar com essa porção criança que há dentro dos visionários, dos que olham adiante mesmo diante de horizontes pouco cristalinos.

Perdoem-me os metódicos, os cartesianos, os matemáticos. Mas a vida é ciência humana, nunca foi ciência exata, e justamente por isso, nos é permitido errar, parar, arrepender-se, pedir perdão, estender a mão. Isso é humano, isso é verdadeiro, isso é sublime. Não me venham com regras que não conseguem responder as grandes incertezas, não me tragam tratados de coisa nenhuma que nada explicam e só servem para fabricar teoremas insolúveis e não tem serventia na hora de comprar um pão. Não! Não me mostrem nada disso!

O que quero para minha vida é poder admirar um banco de praça que viu tanta coisa passar, quero aquela beira de praia, olhos posto ao mar, sem hora, sem dia para estar. Quero é poder esquecer o relógio, admirar o Duomo de Milão como se fossem lágrimas divinas, quero passear de mãos dadas pela Piazza de San Marco e assistir a uma missa na Capela Sistina. Quero é tomar aquele vinho sentado na esquina e saborear o chá numa Londres quase de conto de fadas. Quero aquele detalhe que ninguém vê, porque poucos olham com os olhos atentos de conhecer. É isso que de fato quero.

Desejo sentir a simplicidade rica de uma conversa fiada, de entardecer em Iracema e anoitecer na Aldeota, quero rever meus amigos sem compromisso, quero sentir a ausência de cada um deles e respeitar a vontade que eles tem de às vezes estar apenas consigo mesmos. Quero é isso, e somente isso é o que quero.
Desculpo-me aqui com os ensimesmados, com os casmurros, os meditabundos. Peço desculpa aos superficiais, aos focados, concentrados e pós-graduados, que se perderam em cismas e teses, defesas e monografias. Eu prefiro ser profundo, mergulhar de cabeça nos romances, nos filmes épicos, nas canções que tocam o coração da gente, melodias que parecem feitas para nós em momentos especiais. Prefiro escolher os sorvetes e não as sopas. Quero uma vida descalça, estrelas como teto, vento soprando no rosto, alma leve e pronta para abrir gaiolas e soltar pássaros. Quero sentir a pureza da chuva, a saudade da bem querença, a paciência da natureza em refazer o que foi desfeito, a poesia de cada instante... Quero sentir assim, desse jeito.

Ah, como deve ser triste uma vida de cálculos, de tudo previsto, de tudo assinado, contratado, acertado, combinado, fechado. Deve ser um martírio saber o que vai ser do amanhã. Esse tédio dos seguros, das garantias, das certezas.
Sabe de uma coisa meu amigo? Vou é escolher uma vida clara, como lençóis brancos estendidos em varais, de flores espalhadas nos quintais, de lavanda que recende das camisas de cambraia, de chama que acende uma vela numa janela escancarada para a rua em um instante de fé absoluta, já passando a procissão, mãos postas, oração. Quero é o regaço da rede estendida na varanda. Quero é sorrir abraçado ao meu filho, sentir aquela gargalhada franca e inocente ecoar dentro de mim. Quero é fitar os olhos de quem amo com a confiança de que posso me entregar sem reservas, descansado. Quero essa loucura chamada liberdade, essa extraordinária experiência, singular, intangível, apaixonante e única que é sonhar... Porque de sonhos é feita essa vida e os sonhadores são os arquitetos do impossível, capazes de mudar mundos, e fazer estradas que nos levem até a eternidade.